domingo, 18 de dezembro de 2011

A espera do ano virar...

Esperando o Natal chegar,
o ano virar outro ano,
virar dias melhores,
virar esperança,
virar realizações,
virar boas festas...


Muito espero que o ano vire
certeza de amizades, 
alegrias repartidas,
sonhos realizados,
vida que chega,
ternura,
aconchego...
Um mundo melhor pra todos/as!

domingo, 2 de outubro de 2011

Estou inquieta

Escrevo
por que insisto.
Não sou poeta,
Estou inquieta
com palavras seguindo em fileira
na minha mente.
Mente
que(m) assim consente.


Escrevo
pra fixar o instante
que me faz poeta.
Desperta-me
na incerta poesia 
que é viver.



sábado, 20 de agosto de 2011

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Enigma





Incerta é 
a pena
que me escreve.

Em curvilínea 
caligrafia!

Desperta-me,
Despoeta-me!

Em prosa e verso
Manuscritas linhas
Que desfiam,
Desafiam:

Decifra-me ou devoro-te!



























segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Sabedoria dos que vivem mais!

 "Para celebrar o envelhecer, uma vez eu escrevi 45 lições que a vida me
ensinou. É a coluna mais requisitada que eu já escrevi.

1. A vida não é justa como gostaríamos, mas ainda é boa.
2. Quando estiver em dúvida, apenas dê o próximo pequeno passo.
3. A vida é muito curta para perdermos tempo odiando alguém.
4. Seu trabalho não vai cuidar de você quando você adoecer, mas o fruto dele vai fazer a diferença. Portanto, trabalhe com amor e faça o que gosta. Mantenha contato com seus amigos e
seus pais, pois eles, com certeza, cuidarão de você.
5. Pague suas contas em dia.
6. Você não tem que vencer todo argumento. Concorde para discordar.
7. Chore com alguém. É mais curador do que chorar sozinho.
8. Confie em Deus, Ele sempre sabe o que é melhor para você.
9. Partilhe seus bens, dons e talentos, essa é a melhor loteria.
10. Quando se trata de chocolate, resistência é em vão.
11. Sele a paz com seu passado, para que ele não estrague seu presente.
12. Está tudo bem em seus filhos te verem chorar.
13. Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem idéia do que se
trata a jornada deles.
14. Se um relacionamento tem que ser um segredo, você não deveria estar
nele.
15 Tudo pode mudar num piscar de olhos; mas não se preocupe, Deus nunca
pisca.
16. Respire bem fundo. Isso acalma a mente.
17. Se desfaça de tudo que não é útil, bonito e prazeroso.
18. O que não te mata, realmente te torna mais forte.
19. Nunca é tarde demais para se ter uma infância feliz. Mas a segunda só
depende de você e mais ninguém.
20. Quando se trata de ir atrás do que você ama na vida, não aceite "não"
como resposta.
21. Acenda velas, coloque os lençóis bonitos, use uma roupa elegante. Não
guarde para uma ocasião especial. Hoje é especial.
22. Se prepare bastante; depois, se deixe levar pela maré...
23. Seja excêntrico agora, não espere ficar velho para usar roxo.
24. O órgão sexual mais importante é o cérebro.
25. Ninguém é responsável pela sua felicidade, além de você.
26. Encare cada "chamado" desastre com essas palavras: Em cinco anos, vai
importar?
27. Sempre escolha a vida.
28. Perdoe tudo de todos.
29. O que outras pessoas pensam de você não é da sua conta.
30. O tempo cura quase tudo. Dê tempo.
31. Indepedentemente de a situação ser boa ou ruim, irá mudar.
32. Não se leve tão a sério. Ninguém mais leva...
33. Acredite em milagres.
34. Deus te ama por causa de quem Ele é, não pelo que vc fez ou deixou de
fazer.
35. Não faça auditoria de sua vida. Apareça e faça o melhor dela agora.
36. Envelhecer é melhor do que morrer jovem.
37. Seus filhos só têm uma infância.
38. Tudo o que realmente importa, no final, é que você amou.
39. Vá para a rua todo dia. Milagres estão esperando em todos os
lugares.
40. Se todos jogássemos nossos problemas em uma pilha e víssemos os
de todo mundo, pegaríamos os nossos de volta.
41. Inveja é perda de tempo. Você já tem tudo o que precisa.
42. O melhor está por vir.
43. Não importa como vc se sinta, levante, se vista e apareça.
44. Produza.
45. A vida não vem embrulhada em um laço, mas ainda é um presente "
ESCRITO POR REGINA BRETT

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Cresceu


Viagem!
Imagens, possibilidades.
Constatações de reais imaginárias figuras.
Olhar apenas não basta,
É preciso inteirar-se do suscitado.
Ver e vivenciar.
Escher vive em sua obra.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Dia de Mariana















Nasceu Mariana!

Chegou na segunda-feira como a bisa, Eurídice,
Que dizia ter nascido para a lida,
Pois a segunda-feira era dia de tropeiros.
Eurídice também dizia que era de Reis
(De 6 de janeiro).
Tinha um pé no serviço,
E outro na realeza.
Nasceu Mariana!
Numa segunda-feira.
Como o pai dela, em tempos de lua cheia.
Mariana veio com a lua minguante.
Nossa menina chega no século XXI como o primo.
Traz consigo esperanças, utopias.
Tão pequena já provoca alegrias.
Enriquece a família com sua menina presença.
Angaria afeto dos amigos e amigas
Que acompanham nossa jornada neste mundo.
Mariana traz um clima de Mar...
e no coraçãozim, compaixão que o nome Ana
anuncia.

Reparto com vocês essa vida que chega,
Pra ela a herança de um mundo justo, humano...
Cheio de afroternura.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Preconceito...


06/06/2011 - 03h00

Preconceito prejudica desempenho de alunos na sala de aula

PUBLICIDADE
ANTÔNIO GÓIS
DO RIO
Maria Helena Souza Patto, docente do Instituto de Psicologia da USP e pesquisadora na área de Psicologia Social da Educação Escolar, afirma que o preconceito de classe pode ser uma das razões que explicam a diferença de expectativas de sucesso entre os alunos mais pobres e os mais ricos na rede pública do ensino básico.
Leia abaixo a íntegra da entrevista.
Folha - Olhando para as estatísticas de hoje, os professores que projetam que muitos de seus alunos não chegarão ao final do ensino médio estão sendo até realistas. No entanto, não se trata de um caso de profecia que tem tudo para se realizar? Há evidências de que essa baixa expectativa do professor afeta o desempenho do aluno?
Maria Helena Souza Patto - Penso que pode haver uma dose de "realismo" nesta previsão, mas é preciso considerar também que ela pode conter outros determinantes mais implícitos e sutis. NesSa atitude "fatalista" pode estar presente uma "naturalização" do existente, quando vários intelectuais e pesquisadores brasileiros e estrangeiros já mostraram que não se pode entender a política educacional de um país sem entender o que se passa nos planos econômico, social, político e cultural. Pesquisas já realizadas com professores sobre as causas do fracasso escolar generalizado (salvo exceções que confirmam a regra), entre crianças e adolescentes que frequentam a rede pública de ensino fundamental e médio no país ( e que estão saindo desses níveis sem terem adquirido habilidades e conhecimentos que cabe à escola ensinar), mostram que um dos grandes determinantes desse resultado é a presença do preconceito de classe e étnico, que estrutura a vida cotidiana nesses estabelecimentos escolares, presente de modo claro nas falas de duas educadoras numa escola de um bairro periférico da cidade de São Paulo:
Professora: O principal é ter carinho em casa. Pode ter até um pouco de fome, mas precisa sentir que tem alguém interessado nela, que gosta dela. A mãe não tem aquela sensibilidade de um elogio. (...) Essas mães são umas coitadas, não têm sensibilidiade, não têm nada. (...) A diferença [entre mães sensíveis e insensívweis] já é de nascença, já nasce com a pessoa, é agressiva de nascença."
Orientadora pedagógica: É muito difícil para a criança da periferia. Escreve aí - pe-ri-fe-ria (enfatiza cada sílaba), porque a gente já sabe a bagagem que esta criança traz de casa.
Com essa visão negativa dos alunos e de suas famílias, educadores estão prontos a se relacionarem com essas crianças de modo a confirmar essas expectativas de que serão incapazes de aprender, por meio de vários comportamentos explícitos (agressões verbais e até físicas, como humilhações em sala de aula, arrancar e rasgar folhas de caderno que contèm erros etc.) ou mais sutis, como a frequência com que as atendem em suas dúvidas etc.
Assim sendo, eu diria que essa profecia se realiza permanentemente nas escolas brasileiras, pois estamos em um país em que a relação das classes que dominam com os que lhes são subalternos sempre foi marcada pela violência e no qual o preconceito de raça e de classe é uma realidade, desde a constituição do sistema nacional de ensino brasileiro, na primeira metade do século 20, quando o racismo científico fazia parte do discurso de nossos cientistas e de profissionais que atuavam na rede escolar procurando, por meio da educação, reverter a tendência à loucura e ao crime que seria característica de negros e mestiços.
Folha - O que fazer para reverter esse pré-conceito que os professores tem em relação a seus alunos?
Trata-se de investir na formação dos professores. Formação esta cada vez mais calamitosa desde os anos 70, quando a educação escolar foi invadida por uma mentalidade tecnicista e o cotidiano escolar foi invadido por uma segmentação do trabalho pedagógico que criou uma hierarquia entre especialistas e professores, e estes foram desqualificados e colocados em posição subalterna em relação a pedagogos, psicólogos, orientadores etc.
Recentemente, o Ministro da Educação disse que "é preciso valorizar o professor". No entanto, essa valorização ainda não aconteceu como política educacional sustentada no país. Ao contrário, a proliferação nos últimos anos de cursos de pedagogia em instituições privadas de ensino superior de baixíssima qualidade só tem feito mascarar o problema da formação de professores. Numa política educacional oficial que se contenta com estatísticas, é cada vez maior o número de professores com nível superior, e isso parece bastar aos políticos. Para mim, educadores são trabalhadores intelectuais, ou seja, precisam de formação intelectual, precisam adquirir a capacidade de refletir sobre a realidade brasileira e o lugar que lhes é destinado na manutenção da desigualdade social e na sua justificação.
Florestan Fernandes insistia: a valorização dos professores deve incluir simultaneamente a boa formação, a boa remuneração e a participação ativa desses trabalhadores nas decisões que dizem respeito ao seu trabalho.
Folha - Pensando no outro extremo, também não seria irrealista cobrar do professor que seja capaz de fazer todos os alunos terem sucesso escolar, já que sabemos que condições alheias ao seu trabalho influenciam no rendimento escolar?
São poucas as crianças portadoras de problemas psíquicos e físicos que dificultam a aprendizagem escolar. Como afirma Maria Cristina Kupfer, uma psicanalista voltada para a reflexão e a pesquisa sobre a contribuição dos conhecimentos psicanalíticos para a educação, 98% das crianças estão aptas a aprender. Mas mesmo esses 2% têm direito a esse espaço da infância chamado escola.
E são muitas as experiências de ensino, aqui e no exterior, que mostram que as condições de vida dos alunos são menos decisivas em sua capacidade de aprender quando eles frequentam uma escola que os respeita e os acolhe, que os vê como cidadãos e que conta com professores empenhados em exercer sua profissão com compromisso ético-político; e que sabem que cabe à escola realizar seus objetivos, em vez da desculpa muito frequente entre professores: "sem ajuda em casa, não vai".
Isso vem de uma boa formação educacional dos próprios professores. Um dos grandes problemas que temos hoje é que os professores são, eles próprios, produtos da falência do ensino escolar brasileiro.
Assim sendo, tenho recusado convites para participar, por exemplo, de Comissões do MEC de reforma do currículo do ensino fundamental. A meu ver, e como eu disse a eles, esse tipo de medida equivale a começar a construção de uma casa pelo telhado. O que está faltando é compromisso das autoridades com um ensino de qualidade a todas as crianças e jovens _um ensino voltado para a formação intelectual de um povo, e não um ensino limitado à pseudo-formação de um ensino meramente técnico. E para isso é preciso uma real vontade política de investir para valer na formação dos educadores.
+ CANAIS

domingo, 5 de junho de 2011

Mandela

http://www.youtube.com/watch?v=cxqa8t_Zp9k

Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar. ~ Frase de Nelson Mandela

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Família é...


Família é prato difícil de preparar. 
São muitos ingredientes.
Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo.
Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência.
Não é para qualquer um.
Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir.
Preferimos o desconforto do estômago vazio.
Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio.
Mas a vida, (azeitona verde no palito) sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite.
O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares.
Súbito, feito milagre, a família está servida.
Fulana sai a mais inteligente de todas.
Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade.
Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo.
Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante.
Aquele o que surpreendeu e foi morar longe.
Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente. (...)
E você?  É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia.
Como saiu no álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais prestativa?
O que nunca quis nada com o trabalho?
Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero e do grau comparativo.
Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida.
Não há pressa. Eu espero.
Já estão aí? Todas? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados.
Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola.
Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona.
E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco.
Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas.
Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre.
Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido.
Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher.
Saber meter a colher é verdadeira arte.
Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada.
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe "Família à Oswaldo Aranha",
"Família à Rossini", Família à "Belle Meunière"  ou "Família ao Molho Pardo"
em que o sangue é fundamental para o  preparo da iguaria.
Família é afinidade, é "à Moda da Casa".
E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas.
Há também as que não têm gosto de nada, seriam assim um tipo de
"Família Diet", que você suporta só para manter a linha.
Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo.
Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa.

A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia- a -dia.
A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel.
Muita coisa se perde na lembrança, principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu.
O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer.
Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas.
Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.
Aproveite ao máximo.
Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.
*Fonte: "O Arroz de Palma" de Francisco Azevedo

domingo, 8 de maio de 2011

Canção dos Homens


À criança que chega, possa encontrar um mundo acolhedor.
A canção e os braços daqueles que querem a vida como presente.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

É bem o que penso...


Sobre deuses, pássaros e gaiolas

Eu não tenho religião. Não vou a igrejas, não participo de rituais, não acredito nos seus dogmas. Preciso não ter religião para amar a Deus sem medo, com alegria e, principalmente, sem nada pedir. Não tenho religião porque não concordo com as coisas que elas dizem de Deus. Deus é um Grande Mistério. Está além das palavras. Diante do Grande Mistério a gente emudece. Fica em silêncio. Discordo a partir do pronome "ele". Deus "ele", masculino? Onde foi que aprenderam sobre o sexo de Deus? Deus tem sexo? Se tem sexo, por que não ela, Deus mulher? Como a mulher do Cântico dos Cânticos? A Igreja Católica não conhece a mulher. Conhece apenas a "mãe" que foi mãe sem ter sido mulher. Deus: por que não uma flor, a mais perfumada? Por que não um mar sem fim onde a vida navega? Místicos houve que disseram que Deus é uma criança que nos convida a brincar... Mas pode ser também que Deus seja música, como pensaram os místicos pitagóricos.

Ter uma religião é falar as palavras sagradas daquela religião e acreditar nelas. As religiões se distinguem e se separam: pelas diferenças das palavras que usam para se referir ao sagrado. Se elas nada falassem, se houvesse apenas o silêncio diante do Grande Mistério, a Babel das religiões não existiria. Diante do Grande Mistério apenas uma palavra é permitida, a palavra poética, porque a poesia não o diz mas apenas aponta para ele. O Grande Mistério está além das palavras.

Se tenho uma religião ela se chama poesia. Por isso, amo a Cecília Meireles, sacerdotisa profana, que quando queria se referir a Deus falava sobre um mar sem fim, misterioso e selvagem. Quem em silêncio contempla o mar sem fim ouve vozes em meio ao barulho das ondas. Também Fernando Pessoa sabia disso. Mas, prestando bem atenção, é possível ver, a voar sobre o mar sem fim, um pequeno pássaro que canta: "Leve é o pássaro: e a sua sombra voante, mais leve. E a cascata aérea de sua garganta: mais leve. E o que lembra, ouvindo-se deslizar seu canto, mais leve..."

Os poetas escrevem em transe: não sabem sobre que estão escrevendo. Faz muitos anos, escrevi um livro para minha filha. Ela tinha 4 anos. Eu iria fazer uma demorada viagem pelo exterior e ela ficou com medo de que eu morresse e não voltasse. Apareceu-me, então, uma estória, A menina e o pássaro encantado. Resumida, era assim: era uma vez uma menina que amava um pássaro encantado que sempre a visitava e lhe contava estórias, o pássaro a fazia imensamente feliz. Mas sempre chegava um momento quando o pássaro dizia: "Tenho de ir". A menina chorava porque amava o pássaro e não queria que ele partisse. "Menina", disse-lhe o pássaro, "aprenda o que vou lhe ensinar: eu só sou encantado por causa da ausência. É na ausência que a saudade vive. E a saudade é um perfume que torna encantados a todos os que o sentem. Quem tem saudades está amando. Tenho de partir para que a saudade exista e para que eu continue a amá-la, e você continue a me amar..." E partia. A menina, sofrendo a dor da saudade, maquinou um plano: quando o pássaro voltou e lhe contou estórias e foi dormir, ela o prendeu numa gaiola de prata dizendo: "Agora ele será meu para sempre". Mas não foi isso que aconteceu. O pássaro, sem poder voar, perdeu as cores, perdeu o brilho, perdeu a alegria, não mais tinha estórias para contar. E o amor acabou. Levou tempo para que a menina percebesse que ela não amava aquele pássaro engaiolado. O pássaro que ela amava era o pássaro que voava livre e voltava quando queria. E ela soltou o pássaro que voou para longe. A estória termina na ausência do pássaro e a menina se enfeitando para a sua volta.

Minha intenção, ao escrever esta estória, era simples: consolar a minha filha. Mas quando foi publicada ganhou um sentido que não estava nas minhas intenções: começou a ser usada em terapia, com casais possuídos pela ilusão de que, engaiolado, o amor seria posse eterna... Desde então passei a presentear noivos com uma gaiola da qual eu arrancava a porta. Mas, passado algum tempo, uma pessoa me disse: "Que linda estória você escreveu sobre Deus!" "Sobre Deus?", eu perguntei sem entender. "Sim", ela me respondeu. "O Pássaro Encantado não é Deus? E as gaiolas não são as religiões nas quais os homens tentam aprisioná-lo?" Aprendi, então, da minha própria estória, algo que não sabia: Deus como um Pássaro Encantado que me conta estórias. Amo o Pássaro. Odeio as gaiolas. O Pássaro Encantado: não pousa em galhos para cantar. Não é possível fotografá-lo. Canta enquanto voa. Dele, o que temos é apenas a sua leve sombra voante e a cascata aérea de sua garganta... Quando ouço o seu canto, ele já passou. Só é possível vê-lo em seu vôo, por trás. Vai-se o Pássaro. Fica a memória do seu canto.

Um pássaro voando é um pássaro livre. Não serve para nada. Impossível manipulá-lo, usá-lo, controlá-lo. Pássaro inútil. E esse é, precisamente, o seu segredo: a sua inutilidade: ele está além das maquinações dos homens. Sua única dádiva é o seu canto. Só faz um milagre, um único milagre: quando, chorando, lhe peço "Passa de mim esse cálice", ele canta e o seu canto transforma a minha tristeza em beleza. Por isso eu nada lhe peço. Sei que ele não atende a pedidos. O seu canto me basta: ao ouvi-lo transformo-me em pássaro. E vôo com ele...

Mas aí vêm os homens com as suas arapucas e gaiolas chamadas religiões. E cada uma delas diz haver conseguido prender o Pássaro Encantado em gaiolas de palavras, de pedra, de ritos e magia. E cada uma delas afirma que o seu pássaro engaiolado é o único Pássaro Encantado verdadeiro...

Por que prenderam o Pássaro? Porque o seu canto não lhes bastava. Não lhes bastava a beleza. Na verdade, não o amavam. O que os homens desejam não é a beleza de Deus. O que eles desejam é manipular o seu poder. O que eles querem é o milagre. O canto do pássaro poderia lhes dar asas para voar. Mas não é isso que querem. O que desejam é o poder do pássaro para continuar a rastejar: Deus, transformado em ferramenta. Ferramenta é um objeto que se usa para se atingir um fim desejado. Assim são os martelos, as tesouras, as panelas... O que as religiões desejam é transformar Deus em uma ferramenta a mais. A mais poderosa de todas. A ferramenta que realiza os desejos. Como o gênio da garrafa. Pois não é isso que é o milagre, a realização de um desejo por meio da manipulação do sagrado? Só é canonizada santa uma pessoa que realizou milagres: o milagre é o atestado do seu poder para manipular o divino.

E é assim que as religiões se multiplicam, porque os desejos dos homens não têm fim, e os seus santuários se enchem de santos de todos os tipos, os santos milagreiros são nossos despachantes espirituais, todos eles a serviço dos nossos desejos, atenderão nossos desejos a preço módico, se rezarmos a reza certa e prometermos publicar o milagre em jornal, e pela televisão se anunciam fórmulas, sessões de descarrego, águas bentas milagrosas, exorcismo de demônios, os DJs de cada religião têm uma música na fala que lhes é própria...

Assim, a poesia do canto do Pássaro Encantado se transforma em manipulação do pássaro engaiolado. E não percebem que aquele pássaro que têm dentro de suas gaiolas não é o Pássaro Encantado, que não se deixa engaiolar, porque é como o vento, e voa como quer, e tem uma única dádiva a oferecer aos homens: a beleza do seu canto. À transformação da poesia em manipulação milagreira ? os profetas deram o nome de idolatria.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

10 estratégias de Manipulação Midiática


Dez estratégias de manipulação midiática

O linguista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “Dez estratégias de manipulação” através da mídia:

1. Estratégia da distração. O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de se interessar pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).”

2. Criar problemas, depois oferecer soluções. Esse método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3. Estratégia da gradação. Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. Estratégia do deferido. Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo ao público para se acostumar com a ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chega o momento.

5. Dirigir-se ao público como crianças de baixa idade. A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).”

6. Utilizar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão. Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade. Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).”

8. Estimular o público a ser complacente na mediocridade. Promover no público a ideia de que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9. Reforçar a revolta pela autoculpabilidade. Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de se rebelar contra o sistema econômico, o individuo se autodesvalida e se culpa, o que gera um estado depressivo no qual um dos efeitos é a inibição da ação. E, sem ação, não há revolução!

10. Conhecer melhor os indivíduos do que eles mesmos se conhecem. No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto física quanto psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce controle maior e grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos sobre si mesmos.

(Instituto João Goulart)

terça-feira, 15 de março de 2011

Racismo, cultura e cidadania


Racismo, cultura e cidadania

Reprodução:  O cantor Márcio Victor declarou que foi vítima de racismo em camarote no Carnaval de Salvador Zulu Araújo De Brasília (DF)
No início do mês de março o mundo da moda foi sacudido com uma notícia bombástica. Um dos maiores estilistas do mundo, John Galliano, foi demitido da famosa grife Dior. Antes, havia sido preso e processado pela polícia francesa, por haver xingado e proferido palavras racistas e antissemitas a um casal de judeus, durante um breve entrevero num bar parisiense. A notícia correu mundo, foi objeto de análises, comentários e discussões em blogs, jornais, revistas e o que mais houvesse de mídia na face da terra. Até mesmo a ganhadora do Oscar 2011, Natalie Portman, se pronunciou de maneira drástica acusando o famoso estilista de nojento e asqueroso e que jamais voltaria a trabalhar com ele. Enfim, uma punição exemplar para uma prática inaceitável no mundo civilizado. Ainda no mês de março, carnaval de Salvador, Camarote do Reino, circuito Barra/Ondina, o cantor Márcio Vitor, líder da Banda Psirico, um dos sucessos do carnaval baiano, é xingado e agredido com palavras racistas por um empresário baiano, (preto, pobre e fedorento) em plena folia, na presença de milhares de pessoas. Márcio Vitor reage, chama a polícia, pede a prisão do criminoso, xinga, manda ele enfiar o seu dinheiro no cofrinho. A polícia leva o meliante preso e o solta logo depois com a desculpa de que não havia queixa formalizada contra o mesmo e nada acontece. Estes dois episódios são marcantes para compreendermos a luta contra o racismo nos dias de hoje ou de como a força, a consciência e o poder de uma comunidade podem fazer a diferença no exercício da cidadania e da igualdade e de como a fragilidade, a ingenuidade e a tolerância com a discriminação produzem estragos fenomenais na auto estima do nosso povo. Enquanto o episódio ocorrido em Paris (aparentemente uma briga de bar entre um bêbado e um casal conservador) gerou comoção mundial e uma pronta e dura resposta de uma das maiores empresas do mundo da moda, mesmo arriscando o seu faturamento e imagem, na Bahia, fato semelhante contra um artista negro, não passou de algo pitoresco ocorrido no meio da folia momesca. Com raras exceções, como a declaração da Vereadora da capital baiana - Olívia Santana, que apesar de discordar das composições misógenas e de baixo nível, com que o cantor tem brindado o público baiano, declarou estar indignada e solidária ao artista, por conta da discriminação sofrida, nenhum outro grande nome do estrelato baiano manifestou-se, seja do mundo da cultura ou do mundo da política. Para completar uma curiosidade: a Bahia possui duas secretarias de promoção da igualdade. A mudez foi total. Nem mesmo os donos do Camarote do Reino, do qual o tal empresário era convidado, manifestaram-se. Nem o mais leve pedido desculpas ocorreu. Aliás, até o próprio ofendido, declarou que sua resposta seria cantando e que não tomaria nenhuma medida judicial sobre o caso. Como se um canto de louvor a raça pudesse num passo de mágica converter racistas ao convívio da igualdade e eliminar a ofensa que foi cometida não apenas contra o cantor, mas a maioria da população baiana. É muito pouco. Pouco mesmo, para uma cidade que possui mais de 85% de sua população de origem negra e que orgulha-se de ter um movimento negro forte e organizado e que produz uma das festas populares mais importantes do mundo, gerando milhões e milhões de reais que são apropriados, de forma no mínimo imoral, por parte de uma elite provinciana, insensível, racista e conservadora. E, é esta diferença brutal de consciência e poder nestes dois episódios que têm me deixado preocupado. Sei perfeitamente que a cultura do racismo está impregnada em nossa sociedade fundamente, fruto da nossa história escravocrata. Sei também que as políticas públicas de promoção da igualdade ainda são incipientes em nosso país. Também não acredito que o racismo será superado apenas com medidas punitivas, pois esta manifestação odiosa do ser humano é tão antiga quanto sua própria existência. Mas, não podemos perder a oportunidade, de em situações como estas deixar de exercitar, na plenitude, o que está posto em nossa legislação. RACISMO É CRIME. E como tal deve ser tratado. Enfim, a Copa do Mundo está vindo aí, e os racistas de plantão podem nos deixar numa situação vexatória. Vale a pena inspirar-se no exemplo da Dior, até porque o respeito a diversidade não pode ser apenas uma figura de retórica para discursos acadêmicos ou em períodos de campanha eleitoral, tem que estar presente no nosso dia a dia, em particular nas nossas festas populares, que são a expressão maior, no plano da cultura desta grande diversidade cultural que é o Brasil. Toca a zabumba que a terra é nossa.
Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011). Fale com Zulu Araújo: zuluaraujo@terra.com.br 

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Carta Aberta ao Ziraldo ( Ana Maria Gonçalves)


Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves
Caro Ziraldo,

Olho a triste figura de Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, estampada nas camisetas do bloco carnavalesco carioca "Que merda é essa?" e vejo que foi obra sua. Fiquei curiosa para saber se você conhece a opinião de Lobato sobre os mestiços brasileiros e, de verdade, queria que não. Eu te respeitava, Ziraldo. Esperava que fosse o seu senso de humor falando mais alto do que a ignorância dos fatos, e por breves momentos até me senti vingada. Vingada contra o racismo do eugenista Monteiro Lobato que, em carta ao amigo Godofredo Rangel, desabafou: "(...)Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi?” “Desastre na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou aqui, na sua inconsciente vingança!..." (em "A barca de Gleyre". São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).


27_MHG_camisa_do_que_m_e_essa%20%281%29.jpg


Ironia das ironias, Ziraldo, o nome do livro de onde foi tirado o trecho acima é inspirado em um quadro do pintor suíço Charles Gleyre (1808-1874), Ilusões Perdidas. Porque foi isso que aconteceu. Porque lendo uma matéria sobre o bloco e a sua participação, você assim o endossa : "Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista". A gente quem, Ziraldo? Para quem você se (auto) justifica? Quem te disse que racismo sem ódio, mesmo aquele com o "humor negro" de unir uma mulata a quem grande ódio teve por ela e pelo que ela representava, não é racismo? Monteiro Lobato, sempre que se referiu a negros e mulatos, foi com ódio, com desprezo, com a certeza absoluta da própria superioridade, fazendo uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até hoje. Em uma das cartas que iam e vinham na barca de Gleyre (nem todas estão publicadas no livro, pois a seleção foi feita por Lobato, que as censurou, claro) com seu amigo Godofredo Rangel, Lobato confessou que sabia que a escrita "é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work' muito mais eficientemente". 
Lobato estava certo. Certíssimo. Até hoje, muitos dos que o leram não vêem nada de errado em seu processo de chamar negro de burro aqui, de fedorento ali, de macaco acolá, de urubu mais além. Porque os processos indiretos, ou seja, sem ódio, fazendo-se passar por gente boa e amiga das crianças e do Brasil, "work" muito bem. Lobato ficou frustradíssimo quando seu "processo" sem ódio, só na inteligência, não funcionou com os norte-americanos, quando ele tentou em vão encontrar editora que publicasse o que considerava ser sua obra prima em favor da eugenia e da eliminação, via esterilização, de todos os negros. Ele falava do livro "O presidente negro ou O choque das raças" que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, país daquele povo que odeia negros, como você diz, Ziraldo, foi publicado no Brasil. Primeiro em capítulos no jornal carioca A Manhã, do qual Lobato era colaborador, e logo em seguida em edição da Editora Companhia Nacional, pertencente a Lobato. Tal livro foi dedicado secretamente ao amigo e médico eugenista Renato Kehl, em meio à vasta e duradoura correspondência trocada pelos dois: “Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. (...) Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade precisa de uma coisa só: póda. É como a vinha".

Impossibilitado de colher os frutos dessa poda nos EUA, Lobato desabafou com Godofredo Rangel: "Meu romance não encontra editor. [...]. Acham-no ofensivo à dignidade americana, visto admitir que depois de tantos séculos de progresso moral possa este povo, coletivamente, cometer a sangue frio o belo crime que sugeri. Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros." Tempos depois, voltou a se animar: "Um escândalo literário equivale no mínimo a 2.000.000 dólares para o autor (...) Esse ovo de escândalo foi recusado por cinco editores conservadores e amigos de obras bem comportadas, mas acaba de encher de entusiasmo um editor judeu que quer que eu o refaça e ponha mais matéria de exasperação. Penso como ele e estou com idéias de enxertar um capítulo no qual conte a guerra donde resultou a conquista pelos Estados Unidos do México e toda essa infecção spanish da América Central. O meu judeu acha que com isso até uma proibição policial obteremos - o que vale um milhão de dólares. Um livro proibido aqui sai na Inglaterra e entra boothegued como o whisky e outras implicâncias dos puritanos". Lobato percebeu, Ziraldo, que talvez devesse apenas exasperar-se mais, ser mais claro em suas ideias, explicar melhor seu ódio e seu racismo, não importando a quem atingiria e nem por quanto tempo perduraria, e nem o quão fundo se instalaria na sociedade brasileira. Importava o dinheiro, não a exasperação dos ofendidos. 2.000.000 de dólares, ele pensava, por um ovo de escândalo. Como também foi por dinheiro que o Jeca Tatu, reabilitado, estampou as propagandas do Biotônico Fontoura.

Você sabe que isso dá dinheiro, Ziraldo, mesmo que o investimento tenha sido a longo prazo, como ironiza Ivan Lessa: "Ziraldo, o guerrilheiro do traço, está de parabéns. Finalmente o governo brasileiro tomou vergonha na cara e acabou de pagar o que devia pelo passe de Jeremias, o Bom, imortal personagem criado por aquele que também é conhecido como “o Lamarca do nanquim”. Depois do imenso sucesso do calunguinha nas páginas de diversas publicações, assim como também na venda de diversos produtos farmacêuticos, principalmente doenças da tireóide, nos idos de 70, Ziraldo, cognominado ainda nos meios esclarecidos como “o subversivo da caneta Pilot”, houve por bem (como Brutus, Ziraldo é um homem de bem; são todos uns homens de bem – e de bens também) vender a imagem de Jeremias para a loteca, ou seja, para a Caixa Econômica Federal (federal como em República Federativa do Brasil) durante o governo Médici ou Geisel (os déspotas esclarecidos em muito se assemelham, sendo por isso mesmo intercambiáveis)".

No tempo em que linchavam negros, disse Lobato, como se o linchamento ainda não fosse desse nosso tempo. Lincham-se negros nas ruas, nas portas dos shoppings e bancos, nas escolas de todos os níveis de ensino, inclusive o superior. O que é até irônico, porque Lobato nunca poderia imaginar que chegariam lá. Lincham-se negros, sem violência física, é claro, sem ódio, nos livros, nos artigos de jornais e revistas, nos cartoons e nas redes sociais, há muitos e muitos carnavais. Racismo não nasce do ódio ou amor, Ziraldo, sendo talvez a causa e não a consequência da presença daquele ou da ausência desse. Racismo nasce da relação de poder. De poder ter influência ou gerência sobre as vidas de quem é considerado inferior. "Em que estado voltaremos, Rangel," se pergunta Lobato, ao se lembrar do quadro para justificar a escolha do nome do livro de cartas trocadas, "desta nossa aventura de arte pelos mares da vida em fora? Como o velho de Gleyre? Cansados, rotos? As ilusões daquele homem eram as velas da barca – e não ficou nenhuma. Nossos dois barquinhos estão hoje cheios de velas novas e arrogantes, atadas ao mastro da nossa petulância. São as nossas ilusões". Ah, Ziraldo, quanta ilusão (ou seria petulância? arrogância; talvez? sensação de poder?) achar que impor à mulata a presença de Lobato nessa festa tipicamente negra, vá acabar com a polêmica e todos poderemos soltar as ancas e cada um que sambe como sabe e pode. Sem censura. Ou com censura, como querem os quemerdenses. Mesmo que nesse do Caçadas de Pedrinho a palavra censura não corresponda à verdade, servindo como mero pretexto para manifestação de discordância política, sem se importar com a carnavalização de um tema tão dolorido e tão caro a milhares de brasileiros. E o que torna tudo ainda mais apelativo é que o bloco aponta censura onde não existe e se submete, calado, ao pedido da prefeitura para que não use o próprio nome no desfile. Não foi assim? Você não teve que escrever "M*" porque a palavra "merda" foi censurada? Como é que se explica isso, Ziraldo? Mente-se e cala-se quando convém? Coerência é uma questão de caráter.

ziraldo_direitos_humanos.jpgO que o MEC solicita não é censura. É respeito aos Direitos Humanos. Ao direito de uma criança negra em uma sala de aula do ensino básico e público, não se ver representada (sim, porque os processos indiretos, como Lobato nos ensinou, "work" muito mais eficientemente) em personagens chamados de macacos, fedidos, burros, feios e outras indiretas mais. Você conhece os direitos humanos, inclusive foi o artista escolhido para ilustrar a Cartilha de Direitos Humanos encomendada pela Presidência da República, pelas secretarias Especial de Direitos Humanos e de Promoção dos Direitos Humanos, pela ONU, a UNESCO, pelo MEC e por vários outros órgãos. Muitos dos quais você agora desrespeita ao querer, com a sua ilustração, acabar de vez com a polêmica causada por gente que estudou e trabalhou com seriedade as questões de educação e desigualdade racial no Brasil. A adoção do Caçadas de Pedrinho vai contra a lei de Igualdade Racial e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que você conhece e ilustrou tão bem. Na página 25 da sua Cartilha de Direitos Humanos, está escrito: "O único jeito de uma sociedade melhorar é caprichar nas suas crianças. Por isso, crianças e adolescentes têm prioridade em tudo que a sociedade faz para garantir os direitos humanos. Devem ser colocados a salvo de tudo que é violência e abuso. É como se os direitos humanos formassem um ninho para as crianças crescerem." Está lá, Ziraldo, leia de novo: "crianças e adolescentes têm prioridade". Em tudo. Principalmente em situações nas quais são desrespeitadas, como na leitura de um livro com passagens racistas, escrito por um escritor racista com finalidades racistas. Mas você não vê racismo e chama de patrulhamento do politicamente correto e censura. Você está pensando nas crianças, Ziraldo? Ou com medo de que, se a moda pega, a "censura" chegue ao seu direito de continuar brincando com o assunto? "Acho injusto fazer isso com uma figura da grandeza de Lobato", você disse em uma reportagem. E com as crianças, o público-alvo que você divide com Lobato, você acha justo? Sim, vocês dividem o mesmo público e, inclusive, alguns personagens, como uma boneca e pano e o Saci, da sua Turma do Pererê. Medo de censura, Ziraldo, talvez aos deslizes, chamemos assim, que podem ser cometidos apenas porque se acostuma a eles, a ponto de pensar que não são, de novo chamemos assim, deslizes.
A gente se acostuma, Ziraldo. Como o seu menino marrom se acostumou com as sandálias de dedo: "O menino marrom estava tão acostumado com aquelas sandálias que era capaz de jogar futebol com elas, apostar corridas, saltar obstáculos sem que as sandálias desgrudassem de seus pés. Vai ver, elas já faziam parte dele" (ZIRALDO, 1986,p. 06, em O Menino Marrom). O menino marrom, embora seja a figura simpática e esperta e bonita que você descreve, estava acostumado e fadado a ser pé-de-chinelo, em comparação ao seu amigo menino cor-de-rosa, porque "(...) um já está quase formado e o outro não estuda mais (...). Um já conseguiu um emprego, o outro foi despedido do quinto que conseguiu. Um passa seus dias lendo (...), um não lê coisa alguma, deixa tudo pra depois (...). Um pode ser diplomata ou chofer de caminhão. O outro vai ser poeta ou viver na contramão (...). Um adora um som moderno e o outro – Como é que pode? – se amarra é num pagode. (...) Um é um cara ótimo e o outro, sem qualquer duvida, é um sujeito muito bom. Um já não é mais rosado e o outro está mais marrom" (ZIRALDO, 1986, p.31). O menino marrom, ao crescer, talvez virasse marginal, fado de muito negro, como você nos mostra aqui: "(...) o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: por que você vem todo o dia ver a velhinha atravessar a rua? E o menino marrom respondeu: Eu quero ver ela ser atropelada" (ZIRALDO, 1986, p.24), porque a própria professora tinha ensinado para ele a diferença e a (não) mistura das cores. Então ele pensou que "Ficar sozinho, às vezes, é bom: você começa a refletir, a pensar muito e consegue descobrir coisas lindas. Nessa de saber de cor e de luz (...) o menino marrom começou a entender porque é que o branco dava uma idéia de paz, de pureza e de alegria. E porque razão o preto simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza. Ele pensava: o preto é a escuridão, o olho fechado; você não vê nada. O branco é o olho aberto, é a luz!" (ZIRALDO, 1986, p.29), e que deveria se conformar com isso e não se revoltar, não ter ódio nenhum ao ser ensinado que, daquela beleza, pureza e alegria que havia na cor branca, ele não tinha nada. O seu texto nos ensina que é assim, sem ódio, que se doma e se educa para que cada um saiba o seu lugar, com docilidade e resignação: "Meu querido amigo: Eu andava muito triste ultimamente, pois estava sentindo muito sua falta. Agora estou mais contente porque acabo de descobrir uma coisa importante: preto é, apenas, a ausência do branco" (ZIRALDO, 1986, p.30).

Olha que interessante, Ziraldo: nós que sabemos do racismo confesso de Lobato e conseguimos vê-lo em sua obra, somos acusados por você de "macaquear" (olha o termo aí) os Estados Unidos, vendo racismo em tudo. "Macaqueando" um pouco mais, será que eu poderia também acusá-lo de estar "macaqueando" Lobato, em trechos como os citados acima? Sem saber, é claro, mas como fruto da introjeção de um "processo" que ele provou que "work" com grande eficiência e ao qual podemos estar todos sujeitos, depois de sermos submetidos a ele na infância e crescermos em uma sociedade na qual não é combatido. Afinal, há quem diga que não somos racistas. Que quem vê o racismo, na maioria os negros, que o sofrem, estão apenas "macaqueando". Deveriam ficar calados e deixar dessa bobagem. Deveriam se inspirar no menino marrom e se resignarem. Como não fazem muitos meninos e meninas pretos e marrons, aqueles que são a ausência do branco, que se chateiam, que se ofendem, que sofrem preconceito nas ruas e nas escolas e ficam doídos, pensando nisso o tempo inteiro, pensando tanto nisso que perdem a vontade de ir à escola, começam a tirar notas baixasporque ficam matutando, ressentindo, a atenção guardadinha lá debaixo da dor. E como chegam à conclusão de que aquilo não vai mudar, que não vão dar em nada mesmo, que serão sempre pés-de-chinelo, saem por aí especializando-se na arte de esperar pelo atropelamento de velhinhas.

Racismo é um dos principais fatores responsáveis pela limitada participação do negro no sistema escolar, Ziraldo, porque desvia o foco, porque baixa a auto-estima, porque desvia o foco das atividades, porque a criança fica o tempo todo tendo que pensar em como não sofrer mais humilhações, e o material didático, em muitos casos, não facilita nada a vida delas. E quando alguma dessas crianças encontra um jeito de fugir a esse destino, mesmo que não tenha sido através da educação, fica insuportável e merece o linchamento público e exemplar, como o sofrido por Wilson Simonal. Como exemplo, temos a sua opinião sobre ele: "Era tolo, se achava o rei da cocada preta, coitado. E era mesmo. Era metido, insuportável". Sabe, Ziraldo, é por causa da perpetuação de estereótipos como esses que às vezes a gente nem percebe que eles estão ali, reproduzidos a partir de preconceitos adquiridos na infância, que a SEPPIR pediu que o MEC reavaliasse a adoção de Caçadas de Pedrinho. Não a censura, mas a reavaliação. Uma nota, talvez, para ser colocada junto com as outras notas que já estão lá para proteger os direitos das onças de não serem caçadas e o da ortografia, de evoluir. Já estão lá no livro essas duas notas e a SEPPIR pede mais uma apenas, para que as crianças e os adolescentes sejam "colocados a salvo de tudo que é violência e abuso", como está na cartilha que você ilustrou. Isso é um direito delas, como seres humanos. É por isso que tem gente lutando, como você também já lutou por direitos humanos e por reparação. É isso que a SEPPIR pede: reparação pelos danos causados pela escravidão e pelo racismo.

Assim você se defendeu de quem o atacou na época em que conseguiu fazer valer os seus direitos: "(…) Espero apenas que os leitores (que o criticam) não tenham sua casa invadida e, diante de seus filhos, sejam seqüestrados por componentes do exército brasileiro pelo fato de exercerem o direito de emitir sua corajosa opinião a meu respeito, eu, uma figura tão poderosa”. Ziraldo, você tem noção do que aconteceu com os, citando Lobato, "negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão", e do que acontece todos os dias com seus descendentes em um país que naturalizou e, paradoxalmente, nega o seu racismo? De quantos já morreram e ainda morrem todos os dias porque tem gente que não os leva a sério? Por causa do racismo é bem difícil que essa gente fadada a ser pé-de-chinelo a vida inteira, essas pessoas dos subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal, - porque nelas está a ausência do branco, esse povo todo representado pela mulata dócil que você faz sorrir nos braços de um dos escritores mais racistas e perversos e interesseiros que o Brasil já teve, aquele que soube como ninguém que um país (racista) também de faz de homens e livros (racistas), por causa disso tudo, Ziraldo, é que eu ia dizendo ser quase impossível para essa gente marrom, herdeira dessa gente de cor que simboliza a angústia, a solidão, a tristeza, gerar pessoas tão importantes quanto você, dignas da reparação (que nem é financeira, no caso) que o Brasil também lhes deve: respeito. Respeito que precisou ser ancorado em lei para que tivesse validade, e cuja aplicação você chama de censura.menino-lendo.jpg

Junto com outros grandes nomes da literatura infantil brasileira, como Ana Maria Machado eRuth Rocha, você assinou uma carta que, em defesa de Lobato e contra a censura inventada pela imprensa, diz: "Suas criações têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino. (...) A maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro. Ela inaugura, nos albores do século passado, nossa confiança nos destinos do Brasil e é um dos pilares das nossas melhores conquistas culturais e sociais." É isso. Nos livros de Lobato está o racismo do racista, que ninguém vê, que vocês acham que não é problema, que é alicerce, que é necessário à formação das nossas futuras gerações, do nosso futuro. E é exatamente isso. Alicerce de uma sociedade que traz o racismo tão arraigado em sua formação que não consegue manter a necessária distância do foco, a necessário distância para enxergá-lo. Perpetuar isso parece ser patriótico, esse racismo que "faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças." Sabe o que Lobato disse em carta ao seu amigo Poti, nos albores do século passado, em 1905? Ele chamava de patriota o brasileiro que se casasse com uma italiana ou alemã, para apurar esse povo, para acabar com essa raça degenerada que você, em sua ilustração, lhe entrega de braços abertos e sorridente. Perpetuar isso parece alimentar posições de pessoas que, mesmo não sendo ou mesmo não se achando racistas, não se percebem cometendo a atitude racista que você ilustrou tão bem: entregar essas crianças negras nos braços de quem nem queria que elas nascessem. Cada um a seu modo, a repetir seu destino. Quem é poderoso, que cobre, muito bem cobrado, seus direitos; quem não é, que sorria, entre na roda e aprenda a sambar.

Peguei-o para bode expiatório, Ziraldo? Sim, sempre tem que ter algum. E, sem ódio, espero que você não queira que eu morra por te criticar. Como faziam os racistas nos tempos em quem ainda linchavam negros. Esses abusados que não mais se calam e apelam para a lei ao serem chamados de "macaco", "carvão", "fedorento", "ladrão", "vagabundo", "coisa", "burro", e que agora querem ser tratados como gente, no concerto dos povos. Esses que, ao denunciarem e quererem se livrar do que lhes dói, tantos problemas criam aqui, nesse país do futuro. Em uma matéria do Correio Braziliense você disse que "Os americanos odeiam os negros, mas aqui nunca houve uma organização como a Ku Klux Klan. No Brasil, onde branco rico entra, preto rico também entra. Pelé nunca foi alvo de uma manifestação de ódio racial. O racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos”. Se dependesse de Monteiro Lobato, o Brasil teria tido sua Ku-Klux-Klan, Ziraldo. Leia só o que ele disse em carta ao amigo Arthur Neiva, enviada de Nova Iorque em 1928, querendo macaquear os brancos norte-americanos: "Diversos amigos me dizem: Por que não escreve suas impressões? E eu respondo: Porque é inútil e seria cair no ridículo. Escrever é aparecer no tablado de um circo muito mambembe, chamado imprensa, e exibir-se diante de uma assistência de moleques feeble-minded e despidos da menos noção de seriedade. Mulatada, em suma. País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. André Siegfred resume numa frase as duas atitudes. "Nós defendemos o front da raça branca - diz o sul - e é graças a nós que os Estados Unidos não se tornaram um segundo Brasil". Um dia se fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva." Fosse feita a vontade de Lobato, Ziraldo, talvez não tivéssemos a imprensa carioca, talvez não tivéssemos você. Mas temos, porque, como você também diz, "o racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos."Como, para acabar com a polêmica, você nos ilustra com o desenho para o bloco quemerdense. Olho para o rosto sorridente da mulata nos braços de Monteiro Lobato e quase posso ouvi-la dizer: "Só dói quando eu rio".

Com pesar, e em retribuição ao seu afeto,
Ana Maria Gonçalves
Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.
YouTube - Vídeos desse e-mail

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Apos(ent) a dor ia!

Aposentadoria

Chega um tempo em que é necessário dar basta!
Chega dessa maratona insana.
Chega desse ir de vir tão pouco.
Cortar o cordão é vital.
Há outro tempo que me espera...
Uma utopia que se desvela
em possíveis buscas e sonhos.
Esse momento de ansiedade se revela
Um espaço/tempo de possibilidades,
Anunciando prazeres, artes e novos saberes.
Estou aqui me colocando a seu dispor!
Esse tempo que gerencio,
Essa vontade que me pressiona,
Pra me conceber novamente
No desejo de um mundo mais humano!


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Que racismo o quê?

Primeiro paredão do BBB11!
Coincidência três negros no primeiro paredão?
Eurocentrismo, machismo
Que discrimina, elimina da convivência
o que não encaixa, o que não é conveniente
à imagem tatuada na mente
por uma educação que desconsidera as  culturas
que moldaram o que somos.
A realidade desmente o que se encerra na mente.

Presentes!

Presentes!
Presente no meu aniversário!

O que poetizam... (pra mim e de mim)

Poema

Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora, leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

(Manoel de Barros)



E X A U S T O


Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente
Muito mais que raízes.

(Adélia Prado)

Poema de Mario Quintana em A cor do invisivel

Há três coisas cujo gosto não sacia
o pão, á água e o doce nome de Maria.


One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three beloved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) a disaster.

(Elizabeth Bishop)

Die Liebenden
Friedrich Hölderlin

Trennen wollten wir uns? wähnten es gut und klug?
Da wirs taten, warum schröckte, wie Mord, die Tat?
Ach! wir kennen uns wenig,
Denn es waltet ein Gott in uns.


Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"