terça-feira, 15 de março de 2011

Racismo, cultura e cidadania


Racismo, cultura e cidadania

Reprodução:  O cantor Márcio Victor declarou que foi vítima de racismo em camarote no Carnaval de Salvador Zulu Araújo De Brasília (DF)
No início do mês de março o mundo da moda foi sacudido com uma notícia bombástica. Um dos maiores estilistas do mundo, John Galliano, foi demitido da famosa grife Dior. Antes, havia sido preso e processado pela polícia francesa, por haver xingado e proferido palavras racistas e antissemitas a um casal de judeus, durante um breve entrevero num bar parisiense. A notícia correu mundo, foi objeto de análises, comentários e discussões em blogs, jornais, revistas e o que mais houvesse de mídia na face da terra. Até mesmo a ganhadora do Oscar 2011, Natalie Portman, se pronunciou de maneira drástica acusando o famoso estilista de nojento e asqueroso e que jamais voltaria a trabalhar com ele. Enfim, uma punição exemplar para uma prática inaceitável no mundo civilizado. Ainda no mês de março, carnaval de Salvador, Camarote do Reino, circuito Barra/Ondina, o cantor Márcio Vitor, líder da Banda Psirico, um dos sucessos do carnaval baiano, é xingado e agredido com palavras racistas por um empresário baiano, (preto, pobre e fedorento) em plena folia, na presença de milhares de pessoas. Márcio Vitor reage, chama a polícia, pede a prisão do criminoso, xinga, manda ele enfiar o seu dinheiro no cofrinho. A polícia leva o meliante preso e o solta logo depois com a desculpa de que não havia queixa formalizada contra o mesmo e nada acontece. Estes dois episódios são marcantes para compreendermos a luta contra o racismo nos dias de hoje ou de como a força, a consciência e o poder de uma comunidade podem fazer a diferença no exercício da cidadania e da igualdade e de como a fragilidade, a ingenuidade e a tolerância com a discriminação produzem estragos fenomenais na auto estima do nosso povo. Enquanto o episódio ocorrido em Paris (aparentemente uma briga de bar entre um bêbado e um casal conservador) gerou comoção mundial e uma pronta e dura resposta de uma das maiores empresas do mundo da moda, mesmo arriscando o seu faturamento e imagem, na Bahia, fato semelhante contra um artista negro, não passou de algo pitoresco ocorrido no meio da folia momesca. Com raras exceções, como a declaração da Vereadora da capital baiana - Olívia Santana, que apesar de discordar das composições misógenas e de baixo nível, com que o cantor tem brindado o público baiano, declarou estar indignada e solidária ao artista, por conta da discriminação sofrida, nenhum outro grande nome do estrelato baiano manifestou-se, seja do mundo da cultura ou do mundo da política. Para completar uma curiosidade: a Bahia possui duas secretarias de promoção da igualdade. A mudez foi total. Nem mesmo os donos do Camarote do Reino, do qual o tal empresário era convidado, manifestaram-se. Nem o mais leve pedido desculpas ocorreu. Aliás, até o próprio ofendido, declarou que sua resposta seria cantando e que não tomaria nenhuma medida judicial sobre o caso. Como se um canto de louvor a raça pudesse num passo de mágica converter racistas ao convívio da igualdade e eliminar a ofensa que foi cometida não apenas contra o cantor, mas a maioria da população baiana. É muito pouco. Pouco mesmo, para uma cidade que possui mais de 85% de sua população de origem negra e que orgulha-se de ter um movimento negro forte e organizado e que produz uma das festas populares mais importantes do mundo, gerando milhões e milhões de reais que são apropriados, de forma no mínimo imoral, por parte de uma elite provinciana, insensível, racista e conservadora. E, é esta diferença brutal de consciência e poder nestes dois episódios que têm me deixado preocupado. Sei perfeitamente que a cultura do racismo está impregnada em nossa sociedade fundamente, fruto da nossa história escravocrata. Sei também que as políticas públicas de promoção da igualdade ainda são incipientes em nosso país. Também não acredito que o racismo será superado apenas com medidas punitivas, pois esta manifestação odiosa do ser humano é tão antiga quanto sua própria existência. Mas, não podemos perder a oportunidade, de em situações como estas deixar de exercitar, na plenitude, o que está posto em nossa legislação. RACISMO É CRIME. E como tal deve ser tratado. Enfim, a Copa do Mundo está vindo aí, e os racistas de plantão podem nos deixar numa situação vexatória. Vale a pena inspirar-se no exemplo da Dior, até porque o respeito a diversidade não pode ser apenas uma figura de retórica para discursos acadêmicos ou em períodos de campanha eleitoral, tem que estar presente no nosso dia a dia, em particular nas nossas festas populares, que são a expressão maior, no plano da cultura desta grande diversidade cultural que é o Brasil. Toca a zabumba que a terra é nossa.
Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011). Fale com Zulu Araújo: zuluaraujo@terra.com.br 

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O que poetizam... (pra mim e de mim)

Poema

Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora, leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

(Manoel de Barros)



E X A U S T O


Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente
Muito mais que raízes.

(Adélia Prado)

Poema de Mario Quintana em A cor do invisivel

Há três coisas cujo gosto não sacia
o pão, á água e o doce nome de Maria.


One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three beloved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) a disaster.

(Elizabeth Bishop)

Die Liebenden
Friedrich Hölderlin

Trennen wollten wir uns? wähnten es gut und klug?
Da wirs taten, warum schröckte, wie Mord, die Tat?
Ach! wir kennen uns wenig,
Denn es waltet ein Gott in uns.


Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"