MEU DEUS, EU NÃO CREIO...
(Michel Quoist)
Meu Deus, eu não creio
Que faças cair a chuva ou brilhar o sol,
por escolha,
por pedidos,
para que cresça o trigo do agricultor cristão,
ou tenha sucesso a quermesse do senhor padre.
Que tu concedas trabalho ao desempregado bem formado
e deixes os outros procurar
e nunca encontrar,
Que tu protejas do acidente
a criança cuja mãe rezou
e deixes morrer o garoto
que não tem mãe para implorar ao céu,
Que tu mesmo dês alimentos aos homens,
quando eles o pedem,
e que os deixes morrer de fome,
se cessarem de o implorar.
Meu Deus, eu não creio
Que tu nos conduzas para onde queres
e que só nos reste deixar-nos guiar,
Que tu nos mandes determinada provação
e que só nos reste aceitá-la,
Que tu nos concedas sucesso
E que só nos reste agradecer-te,
Que, quando assim o decides tu chames a ti
aquele a quem amamos
e que só nos reste a resignação.
Não, meu Deus, eu não creio
Que sejas ditador
que possui todos os poderes
e impões a tua vontade
para o bem do teu povo.
Que nós sejamos marionetes,
das quais puxas os fios
à tua maneira
E que nos faças atores de uma peça misteriosa,
de cuja representação estabeleceste,
desde o início, os mais ínfimos pormenores.
Não, eu não creio,
já não creio,
Pois agora sei, meu Deus,
que tu não o queres
e não o podes
Porque tu és AMOR
Porque tu és PAI
E nós somos os teus filhos.
Meu Deus, perdão,
Por durante tanto tempo termos desfigurado teu adorável Rosto
Críamos ser preciso,
para te conhecer e te compreender,
imaginar-te revestido ao infinito
do poder e da força,
com que sonhamos à maneira humana.
Usávamos as palavras certas
para pensar em ti e falar de ti,
mas em nossos corações fechados, essas palavras se tornaram armadilhas,
E nós traduzimos:
onipotência,
vontade,
mandamento,
obediência,
julgamento…
para nossa linguagem de homens orgulhosos
ansiosos por dominar nossos irmãos.
Atribuímos-te, então,
punições,
sofrimentos e mortes,
ao passo que tu quiseste para nós
o perdão,
a alegria e a vida.
Ó meu Deus, sim, perdão,
Porque não ousamos crer que, por amor,
desde sempre nos quiseste LIVRES.
Não apenas livres para dizer sim ou não
ao que tinhas de antemão decidido para nós,
mas livres para refletir,
escolher,
agir,
a cada instante da nossa vida.
Não ousamos crer
que de tal forma quiseste essa liberdade
Que arriscaste o pecado,
o mal,
o sofrimento,
frutas podres da nossa liberdade desgarrada,
horrível paixão do teu amor escarnecido,
Que arriscaste assim perder,
Aos olhos dos filhos teus,
a tua auréola de bondade infinita
e a glória da tua onipotência.
Não ousamos, enfim, compreender
Que, quando a nossos olhos quiseste definitivamente te revelar,
Viste sobre esta terra,
pequeno,
fraco,
Nu.
E que morreste preso na cruz,
abandonado,
impotente,
Nu.
Para dizeres ao mundo que o teu único poder
É o Poder infinito do Amor,
Amor que nos liberta,
Para que nós possamos amar.
Ó meu Deus, sei agora que tu podes tudo
… menos tirar-nos a liberdade!
Obrigado, meu Deus, por esta bela e assustadora liberdade,
oferta suprema do teu amor infinito.
Nós somos livres!
Livres!
Livres para conquistar, pouco a pouco, a natureza,
para a colocar
ao serviço dos irmãos,
Ou livres para a des-naturar,
explorando a nosso bel-prazer,
Livres para defender e desenvolver a vida,
para combater todos os sofrimentos
e todas as doenças,
Ou livres para desperdiçar inteligência, energia, dinheiro,
em fabricar armas
e nos matarmos uns aos outros.
Livres para te dar filhos ou de os recusar,
Para nos organizar em partilhar nossas riquezas,
Ou deixar milhares de homens
morrer de fome sobre a terra fértil.
Livres para amar
Ou livres para odiar.
Livres para te seguir
Ou te recusar.
Nós somos livres…
Mas amados INFINITAMENTE.
Por isso, meu Deus, eu creio
Que, porque tu nos amas e és nosso Pai,
Desde sempre nos transmitistes uma felicidade eterna,
que incessantemente nos propões
mas nunca nos impões.
Eu creio que o teu Espírito de amor,
no coração da nossa vida,
nos segreda fielmente, cada dia,
o desejo de teu Pai.
Eu creio que, no meio do imenso emaranhado
das liberdades humanas,
Os acontecimentos que nos atingem,
Os que escolhemos,
Sejam bons ou maus,
Fonte de alegrias ou de cruéis sofrimentos,
Podem, todos eles,
Graças ao teu Espírito que nos acompanha
Graças a ti que nos amas em teu Filho
Graças a nossa liberdade que se abre a teu AMOR
Tornar-se, por nós e para nós,
Sempre providenciais.
Ó meu grande Deus amante,
Diante de mim tão humilde, tão discreto,
que eu só poderei alcançar e compreender
se me tornar criança,
Faz-me crer, com todas as minhas forças,
Em tua única Onipotência:
A Onipotência do teu AMOR.
Poderei, então, um dia, com meus irmãos reunidos,
Orgulhoso por ter vivido minha vocação de homem livre,
Transbordando de felicidade,
Ouvir-te dizer:
“Vá, meu filho, a sua fé o salvou”.
(Michel Quoist, in Novos Poemas para Rezar).